domingo, 27 de junho de 2004

Estava em minhas andanças de desempregada, a caminho dos Correios para postar uns currículos, numa bela manhã de terça com um sol agradavelmente quente que me fazia sentir bem por estar andando um pouco. Estava um tanto aérea, os pensamentos a mil, mas com os olhos atentos, observando o movimento da cidade, quando avistei à frente uma jovem senhora acompanhada de uma menina de cabelos loiros e longos, vestida com o que parecia ser uma de suas melhores roupas, com um caminhar descontraído e despreocupado.
Acompanhei sua aproximação até o encontro inevitável e lancei um sorriso em sua direção, como se ao mesmo tempo quisesse lhe dizer um oi e cumprimentá-la por emanar tão espontaneamente aquele ar de doçura, simpatia, simplicidade e inocência.
E como é raro nesses tempos em que as pessoas não mais se olham e muito menos lançam olhares de simpatia para com o outro, aquela menina retribuiu meu gesto com um singelo e jovial sorriso, daqueles que valem mais que mil elogios e que fez correr por minhas veias a tal da felicidade.
A surpresa daquele encontro me impulsionou a olhar para trás, como para me assegurar que aquela menina realmente existiu.
E qual não foi minha maior surpresa, meu olhar deu de encontro com os dela, também estava a me fitar. Talvez ela tenha sido levada pelo mesmo impulso surpreendente que eu e isso somou mais um instante memorável àquele encontro improvável.
Agora me pergunto sobre o que deve ter passado pela cabeça daquela menina que no auge dos seus prováveis quatro ou cinco anos de idade foi capaz de um gesto tão encantador? Não sei.
E há anos luz de portar qualquer traço de pedofilia, se aquela pequena menina somasse uns 20 anos aos seus quatro, eu não a teria deixado partir sem antes perguntar seu nome e lhe dizer que, sem nada dizer, ela me havia feito uma mulher feliz...

quinta-feira, 24 de junho de 2004

Continuando o espírito de recomendações, é legal dar uma lida no prólogo escrito por Michael Moore especialmente para a versão em português de seu livro Cara, cadê meu país?. Ele usa de toda sua irreverência para cutucar mais uma vez o Bush, os americanos "no brain", e dá uma luz no que anda rolando dentro dos E.U.A., quais as posições quanto ao caso Iraque e mais ou menos o que a galera de lá anda pensando.
Bom saber que nem todo americano diz amém para as decisões do seu governo.

sábado, 19 de junho de 2004

Estamos em avançados 6 meses passados do ano de 2004 e, por enquanto, nada. É isso, se existe alguma data limite que estableça que o prazo para as coisas darem certo irá terminar, começo a acreditar que este dia está para chegar.
Correr contra o tempo nesta altura do campeonato não me parece uma decisão favorável, pois, além do fato de que é impossível ultrapassar o tempo, esta corida, provavelmente, provocaria um ataque cardíaco nesse coração sedentário e desacreditado.
A esta altura não quero acreditar em mais nada além da lei da relatividade do tempo, quero ser pega de surpresa pelas forças ocultas do que considerava acaso, coincidência e, até mesmo, despropósito.
O que quero dizer com isso: chega de tentar das explicação para o que acontece ou deixa de acontecer. Quero acabar em mim com um certo ranso cristão de tentar encontrar um culpado para tudo. É uma boa atitude a se tomar, principalmente quando a máscara de Judas acaba na minha cara por mais vezes do que eu gostaria.
Isso não equivale a uma tentativa de me livrar da minha parcela de responsabilidade sobre minha vida, meu futuro ou o jeito como me visto. É só que as vezes existem outros fatores que influenciam o curso dos acontecimentos, ou então o que explicaria um dia típico de inverno no mês de janeiro em Fortaleza? Deus querendo estragar as férias de alguém?
Mais uma vez, é isso. Quero escrever uma história repleta de lacunas, linhas em branco, personagens sem nome, sem passado ou futuro. Quero seguir o fluxo, mantendo os olhos abertos para evitar as pedras visíveis no caminho, os buracos mais profundos e os extensos muros de pedras. Quero dar a volta ao mundo, descobrir o que há lá fora e, ao cruzar a linha de chegada, serei a primeira a abraçar tudo o que ficou para trás e dar-lhes o último adeus; e irei passar direto pela velha eu que já não reconhecerei e que ainda estará na linha de partida tentando decidir para que lado ir.

terça-feira, 15 de junho de 2004

Acessem este site: Basta!. Tem uma galera no Rio que tá tentando organizar um protesto que pede Basta! à violência no Rio. Lance sério, organizado, pelo menos esta foi a impressão que me passou ao ver a entrevista do Jô Soares de hoje com uma mulher que começou com este movimento que consiste em convencer as pessoas que estão indignadas com a situação a colocarem faixas de protesto nas fachadas das casas, comércios e etc. Eles queres enfaixar o Rio, este é o slogan. Esse é o movimento. Pode ser o início de uma reação popular que vai mudar o curso das coisas. Quem viver, verá!
O Saramago é realmente um escritor fabuloso. Ele tem um poder descritivo inexplicável, emocionante até! Li "Memorial do Convento" e adorei, não só porque ele me foi um aconchego nos tempos de França, me ajudando a me reaproximar da Língua Portuguesa, mas gostei porque nunca tinha sentido o tipo de emoção que senti com a leitura, momentos de genialidade do autor.
Por me reavivar a genialidade de Saramago, quero postar um trecho de um livro dele publicado pelo Altieres e junto a gravura postada junto.

Trechos de MANUAL DE PINTURA E CALIGRAFIA
JOSÉ SARAMAGO - 1976

"... A pobre Adelina, como eu me divirto a chamar-lhe de mim para mim, é muito menos "pobre" do que eu disse: deita-se comigo, consente e exige que eu entre nela (essa virtuosa transposição resulta em obscenidade total, pois, literalmente, entrar eu nela significa que todo me reduzi a uma dimensão milimétrica, a qual me permitiria digressar [prefiria que se pudesse dizer digredir] no interior dela, ou, pelo contrário, que esse mesmo interior ganhou tamanho de catedral, basílica de S. Pedro, igreja de Notre-Dame, gruta dourada e verde de Aracena, por onde passeio [penetro] em meu natural tamanho, patinhando nos humoreses, nas secreções, repousando na turgidez das mucosas, e avançando sempre até o segredo do universo, ao laboratório dos ovários, ao estentor das trompas [mudas] de Falópio, respirando os cheiros primordiais da terra ali resguardados e em todos os sexos de mulher, agora já sem obcenidade, porque o sexo não é obceno, isto é uma coisa que sei hoje) e por causa desse entrar nela, e ela estar, sem verdadeiramente o querer a minha vontade, na vida geral em que eu tenho parte e ela parte, e ambos num rebordo comum, numa cimalha estreitíssima de Chartres, não posso dizer "pobre Adelina" nem esquecê-la. No interior dela derramo de cada vez milhões de espermatozóides de antemão condenados à morte, envolvidos num fluído gomoso que sai de mim arfando, e mesmo não a amando eu nem ela a mim, nenhum de nós escapa ao brevíssimo momento em que os corpos lassos e satisfeitos repousam, o meu, quase sempre sobre o dela, o dela às vezes sobre o meu, e também sobre o outro o um de nós que suporta o peso do outro. No fim do acto sexual (também chamado acto do amor), o corpo de baixo pesa sobre o de cima, e quem isto não descobriu nunca, não tem corpo nem sexo nem consciência de si. Duas vezes se exerce então a força da gravidade, não para se anular, mas para ser total o esmagamento. Porque a levitação dos corpos não é possível quando o sexo do homem ainda está profundamente ancorado no sexo da mulher, derramando ou tendo derramado a branca secreção dos testículos e banhando-se entre as paredes rubras ou róseas, e ardentes, ao mesmo tempo que a remotíssima tristeza do coito cobre de véus o cérebro e esboroa um a um os membros abandonados." (p. 55 e 56)



Edward Hopper - "Eleven Am" 1926

Entenderam o por quê?
A emoções não são regidas pelas mesmas leis que regem a existência humana.
O homem criou e adotou o tempo como um dos principais eixos de referência e fundou, com isto, a História. Mas ao fazê-lo criou também para si uma prisão sem muros. Vivemos aprisionados ao presente, ansiosos por um futuro incerto que desfará as certezas do passado. Nosso corpo é nossa cela, e o que nela habita, ali fica e persiste em ser o que é, mesmo fantasiado, travestido ou disfarçado, faz de nós (cada um) o que somos, invariavelmente mutantes.
O que por vezes escapa a esta cela são as emoções. Estas, ao contrário, desconhecem o tempo e podem, a qualquer momento, como observou Freud em sua obra, irromper tão intensamente quanto no momento primeiro em que se deu, como a sua lembrança mais triste da infância ainda te leva as lágrimas como se tivesse acabado de acontecer.
Certos fatos vividos fazem reféns emoções que, por sua rebeldia, não se manterão assim, e escaparão, seja lá como for, de uma forma ou outra, amanhã ou daqui a 20 anos.
O que trancafiei aos 4 anos (*), hoje, aos 24, ainda corre a canequinha pelas grades tentando me chamar a atenção. E enquanto eu me mantiver aqui, firme, soldado raso que apenas obedece as ordens de um superior desconhecido, alienado embaixo do capacete, não haverá chance de qualquer emoção que seja encontrar a saída certa dessa incabível prisão.

(*) chute cronológico

quarta-feira, 9 de junho de 2004

Estou eu aqui em cima de novo, totalmente paralisada, só conseguindo olhar para os lados e pensando: "O que é que eu vou fazer agora? Para que lado eu vou?"
Já me vi por tantas vezes nesta mesma situação que começo a pensar que é justamente a tensão de ficar olhando as possibilidades aqui de cima, pesando infinitamente os prós e contras de se escolher um dos lados desse muro, o que me faz continuar aqui. É, praticamente, a realização de um desejo da mesma natureza daquilo que dá prazer ao masoquista, a dor.
Dá uma sensação paralisante no momento em que são colocadas as alternativas, como um branco total na mente e no corpo que não faz nenhum movimento, muito menos em relação a dar uma solução ao problema. Escolher é um problema. Ou ficar totalmente imóvel seja o problema. Ou o problema está exatamente num acontecimento um tanto anterior e decisivo para que as coisas tenham chegado até esse ponto: o fato de eu ter nascido.
Sim, estou em cima do muro e não consigo sanar mais uma das dúvidas que parecem desafiar meus sentidos, principalmente, o de realidade. Ficar nessa situação de dúvida eterna não é nada legal, e, aliás, não vejo nenhuma vantagem em se ficar em dúvida sobre as coisas, não me ocorre uma agora.
Pensem comigo: se você tem que escolher entre duas coisas, e isso deve ser feito para que a vida possa seguir o seu curso, seja ele qual for, por que então enrolar ou empacar a vida por causa disso? E aí, eu penso: porque existe uma coisa coisa chamada insegurança. Insegurança descreve o estado da pessoa que, mais do que uma incerteza, ela não tem confiança em si mesma.(*)
Isso é, no mínimo, triste. Confiar em si mesmo é muito necessário para que uma pessoa saía por aí e dê um rumo à sua vida. E para mim tudo isso é muito confuso, porque mesmo que eu saiba do que se trata, ainda não consigo mudar esse meu jeito de ser empacada. Que droga, do que me serve ter um monte de amigos psicólogos e não rolar de usufruir dos seus bons serviços...
E como a minha ainda atual condição de desempregada não me permite sequer sonhar com uma sessão de terapia, me resta fazer aquilo que muitos de nós aprende a fazer quando as saídas são escassas - começa a se virar (claro, depois de dar uma passadinha nas profundezas da depressão - mas isso não é obrigatório para todo mundo, ainda bem). Vale dizer que um pouco de angústia é sempre necessário para querermos mudar.
Fiz o maior "esforção" e espero ter dado início ao movimento que irá me levar para a grande virada, e 180 graus é um longo caminho a percorrer. Quando eu chegar lá, eu aviso...

(*) Ref. "Dicionário de sinônimos da Língua Portuguesa"

Pior que um coração partido, é uma alma vendida - Senadora Heloísa Helena, Programa do Jô (08/06)