quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005

Incrivelmente, nestes últimos tempos, tenho feito meu almoço mais ou menos no mesmo horário. O que isto tem de incrível talvez não seja muito importante para algumas pessoas, mas acho bom estabelecer uma rotina quando se trata de alimentação. Agora, o que é realmente inacreditável é o grande monte de besteiras que os comentaristas falam nos programas de esportes veiculados na TV, muitos, justamente, na hora do meu almoço (lembrando que aqui no Brasil esporte resumi-se a futebol). Deixando de lado o fato desses programas ignorarem completamente as agendas de campeonatos de outras modalidades esportivas e depois, em época de eventos como as Olimpíadas, versarem seus discursos de verdade sobre o descaso do governo e empresas patrocinadoras em apoiar outras categorias, acredito serem esses senhores uns dos principais responsáveis pela imagem de fracasso que temos do futebol brasileiro.
O que concluí após algumas horas passadas em frente à televisão deglutindo o pão de cada dia e assistindo aos diferentes programas transmitidos no horário é que estes comentaristas têm uma forte tendência a criticar, julgar e, praticamente, crucificar jogadores por seus atos, principalmente aqueles cometidos fora de campo, como se não fossem esses simples seres humanos levando suas vidas, tropeçando em seus erros ou sofrendo as conseqüências de suas fraquezas. Ocorre-me agora o exemplo do jogador Edmundo, que cometia barbaridades tanto fora quanto dentro de campo, mas em nenhum momento ouvi algum comentário que problematizasse a situação e buscasse entender as razões desse jogador ser tão violento. Psicólogo do esporte naquele tempo ainda não tinha virado moda!
Além disso, esses senhores também tendem a comparar os jogadores do século XXI com aqueles que jogavam lá no século passado, a mais de quarenta ou cinqüenta anos atrás. Assim como os comentaristas, os senhores dirigentes do atual futebol ainda vivem no século passado e atravancam o desenvolvimento do esporte. Vemos vários outros esportes se aprimorando, remodelando regras, readaptando equipamentos, utilizando as benesses da tecnologia, tudo para tornar o esporte mais competitivo e mais atraente para os espectadores, e sem, é claro, tirar as características que tornaram a modalidade conhecida e disputada.
O futebol parou no tempo porque quem não consegue se adaptar a mudanças são aqueles que o dirigem. O futebol foi capitalizado e agora resumi-se a gerar grandes montantes de dinheiro a escuderias internacionais. Virou sonho de meninos pobres para mudar de vida e que se vendem em peneiras ilegais organizadas por estrangeiros que prometem grandes chances no exterior e quando lá chegam, totalmente despreparados para mudanças culturais tão radicais, passam a rezar pela volta. Rezam porque o dinheiro prometido muitas vezes não aparece.
Não adianta lamentar a falta de amor à camisa, os contratos milionários que carregam os craques para fora do país, os campos esburacados, as jogadas violentas, enfim, não adianta lamentar a morte do futebol arte. O futebol está encostado no paredão, com uma arma na cabeça e seu último pedido é por mudança.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2005

A dificuldade em escrever alguma coisa, desenvolver alguma idéia nesses últimos tempos, só pode ser reflexo dessa sensação de incerteza e vazio que assola o meu viver.
Não sei se já comentei, mas estou de volta à condição de desempregada e, para ser franca, nem sei bem por que ou como isso aconteceu. Claro, tentei buscar razões, refiz caminhos, falei com pessoas, busquei em suas histórias algo em comum com a minha e... não é que eu encontrei.
Quando este tipo de coisa acontece, você pensa: por que eu não soube disso antes? Mas este é mesmo o curso das coisas e, como me disse uma amiga num desses encontros ao acaso, numa longa madrugada de conversa, as mudanças vão acontecendo e você só percebe a transformação depois mesmo que ela se completa. E foi só depois que tudo se deu que eu pude parar e pensar: quando você está submetida e subordinada a pessoas que utilizam de forma leviana o “poder” que têm sobre você, com aquela certeza estúpida de sempre ter razão em tudo, o que a lógica dessas pessoas espera é que seus subalternos se resignem, pois afinal, eles podem ditar sobre seu destino, se você continua ou se você pára. Sua voz só é ouvida se trouxer melhorias e se essas melhorias puderem ser convertidas, a curto prazo, em ganho capital.
Mas eu já sabia que isso acontecia. Sabe, naquilo que vi escrito nos livros, no que vi noticiado nos jornais e até mesmo na história de algum infeliz, à qual não dei muita importância.
E o poder exercido pode ser assim traduzido: eu pago pelo seu silêncio, eu pago pelo meu conforto de não querer ouvir suas reivindicações e, com esse gesto, reforço aos demais qual seu lugar e que lá devem ficar.
E assim mesmo não compreendo, quer dizer, não basta fazer as coisas do jeito certo, ter um bom desempenho, não desarmonizar o ambiente. Além disso, ou talvez mais importante que isso, é desejável que não alimente nenhuma ideologia.
Não dá para ter ideologia, nem mesmo a de não se deixar ser enganada. Afinal, não podemos se orgulhosos à esse ponto, não é? Bem, agora, meu caminho foi desvirtuado pelas mãos ludibriantes do lobo em pele de cordeiro, meus planos foram desfeitos, conquistas tornaram-se dúvidas...
E sentindo como se mais uma vez a dura realidade desses tempos me puxasse para dentro de suas entranhas, voltei, desta forma, ao limbo, como uma alma sem rumo, desorientada.
Ademais, me pergunto: quanto tempo vive uma vida de esperanças quando as certezas se recolhem às mãos dos porcos chovinistas?
Eu nasci, não a 10.000 anos atrás, mas a 24, com um pé e meio nos 25, cifra que jamais pensei alcançar, ao contrário dos 65 que hoje, com o Estatuto do Idoso garantindo alguns benefícios interessantes, gostaria de poder desfrutar, fazer valer os meus direitos. Mas não é disso que se trata esse post.
Enquanto o meu relógio continuar correndo, e espero sinceramente que tenham dado bastante corda nele antes disso tudo começar, cabe a mim continuar tentando fazer desse espaço entre o começo e o fim algo que valha a pena, para ter muito o que contar quando me for dada a alta celestial (*).
Espero chegar lá depois que a cerveja estiver gelada, a caipirinha preparada, a carne salgada e já queimando na churrasqueira. Seria bom se não fosse tão improvável quanto a idéia implícita de haver "vida" após a morte.
Quem viver, morrerá. E só quem já morreu poderia dizer como isso acontece, mas parece que eles preferem deixar a gente na curiosidade, afinal eles também tiveram que esperar a sua vez para saber.
O que morto está, remediar não adianta. Só quem vivo é pode desejar assim continuar...

(*) Fonte: da sabedoria popular da mãe de uma amiga

terça-feira, 4 de janeiro de 2005

Há três dias a cidade chora como se lhe tivesse sido arrancado algo fundamental. E não há mais como recuperá-lo.
Há tempos não verto lágrimas por nenhuma razão. O choro ou tristeza deu lugar a uma raiva descabida, que esquenta as meninges de tanto que me esforço para conter esse ódio que pulula no peito e enche as veias de sangue quente, até as pontas dos dedos. É o momento exato em que as mãos se fecham e te dá aquela vontade de socar, esmurrar a primeira coisa que estiver na frente, seja ela inanimada ou então o nariz do primeiro infeliz que te dirigir a palavra.
Mas não; apesar de sentir minhas células se multiplicando desenfreadamente de tanta agonia por ter que conter tal fúria, por não poder disparar nem sequer umas míseras seqüências de potenciais de ação, devo conter este sentimento que faz tão parte de nós quanto qualquer outro, mas que a sociedade varreu para a gaveta das coisas indesejáveis no modo de ser humano.
Apesar de ser incontestavelmente a favor do diálogo, reconheço que em algumas situações, sair na porrada parece ser a melhor atitude a ser tomada, menos por achar que isso dará uma lição em alguém, mas mais para descarregar, ou melhor, dar vazão ao ímpeto de destruição que atropela qualquer senso de razão.
Vejam, neste momento estou aqui tentando reverter meus impulsos para o papel, queimando alguns neurônios me preocupando com acentuação e pontuação, gramática e conjugação, fazendo aquilo que tenta tornar cada vez mais distante o nosso lado animal: estou eu aqui sublimando, fazendo força para manter meu lado humano com o mínimo de dignidade e resignação, tolerância e paciência.
E quando nada mais funcionar...?
Mais um tapa na cara da realidade que levo nesta penúltima semana do mês de Outubro.
Durante um dos momentos da minha atividade laboral, que tinha por finalidade a produção de Raviólis de Queijo, o meu companheiro mais jovem da produção começa a relatar a "particular" atividade desenvolvida por um de seus amigos.
O tal rapaz possui uma chave que abre orelhões. Só com essa informação já é possível, logo de saída, pensar numa sacanagem bem interessante a se fazer, não é? Pois é, o que exatamente este cidadão fazia era abrir o aparelho e quebrar uma trava que faz com que os cartões caiam dentro do telefone. Depois, a pessoinha passava no caminho de volta recolhendo os cartões engolidos e os vendia na faculdade a preço reduzido e ganhava, assim, o dinheiro para o seu lanche. Não é engenhoso o criminoso? he...
A minha indignação fica menos por conta do espírito de porco deste garoto e mais por ter tido que ouvir as justificativas que meu companheiro de trabalho me dava para convencer-me de que seu amigo não estava cometendo uma grandessíssima sacanagem. Coisas do tipo: "ah, a pessoa que foi telefonar é que é burra, porque ela empurra tanto o cartão...", ...mas é para ele comprar o lanche... (como se as pessoas tivessem alguma coisa a ver com a larica do rapaz!)", e uma seqüência fabulosa de razões incoerentes colocadas de maneira tão naturalmente impensada que me fez perguntá-lo: Você está falando sério, você está só dando uma de teimoso, né?". E a resposta foi não, tão sincera quanto suas próprias razões em considerar uma barbaridade dessas algo normal, eu diria até, exemplar.
Essas situações me fazem pensar, até onde chegamos, e o que pode ser pior, até onde iremos chegar? Sinceramente: eu não quero estar aqui para ver.
"Deixar que os fatos sejam fatos naturalmente, sem que sejam forjados para acontecer
Deixar que os olhos vejam os pequenos detalhes lentamente
Deixar que as coisas que lhe circundam estejam sempre inertes, como móveis inofensivos
Para lhe servir quando for preciso sem lhe causar danos, sejam eles morais, físicos ou psicológicos."
Chico Science & Nação Zumbi – Corpo de Lama
Não sei se já comentei da relação de amor e ódio que sinto pelas telenovelas. Restrinjo-me aqui àquelas exibidas pela Rede Globo. Bem, dos males o menor, né, ou, tecnicamente falando, redução de danos.
As coisas que me fazem considerar gastar importantes horas da minha vida sentada na frente de um eletrodoméstico para ver novela alguma coisa que valha a pena, para dizer a verdade, não vêem acontecendo. Boas histórias, sendo desenvolvidas sem o uso de clichês e sem, o que parece impossível, estereótipos; atores de atuação verdadeira, dando ao personagem um frescor, uma espontaneidade, que realmente te passam a ilusão de estar participando da história, assim como acontece quando lemos um livro e vivemos com o herói todas as suas emoções; ausência de propagandas, que fazem o autor dar malabarismos e inventar situações totalmente despropositadas só para mostrar um maldito produto de alguma marca que fica recebendo falsos elogios dos personagens; casais com juras de amor piegas, frases feitas, nada de belas conquistas, troca de olhares, rostos ruborizados, inocência e paixão misturadas, muito mão naquilo, aquilo na mão, corpos e rostinhos bonitos mais valorizados que qualquer sentimento...
Reflexo do mundo medíocre em que vivemos, as novelas vendem sonhos que a grande maioria das pessoas não podem comprar e veiculam ideais e estilos de vida que nossas diferenças de classe social não nos permitem compartilhar. As novelas mostram nossas desigualdades quando divide seu elenco em núcleos: o rico, o pobre e a nebulosa, porém não menos importante, classe média. Em cada um brinca-se de bem e mal, cada um em seu lugar, à sua maneira, ou como a sua condição o permite ser.
As novelas são exatamente o que elas foram criadas para ser: uma projeção dos nossos tempos, dos nossos jeitos, das nossas opiniões; um duro retrato animado de cada uma das nossas mil faces.