terça-feira, 20 de julho de 2004

Lá ia ela pela terceira vez naquela semana fazer a curva à direita e enfrentar uma considerável subida pela rua paralela à sua casa, de onde havia saído após o banho merecido e indispensável naqueles dias de verão na cidade do sol. Antes essa lua fosse acompanhada de um belo e refrescante mar e sua brisa carinhosa. Mas não, esta terra está encrustada na região do Estado de S.Paulo que tem, por talento, imitar com quase exatidão o sertão nordestino. Por lá nunca chegou a ver o chão ressecado, craquelado pela estiagem, mas ver o horizonte distorcido pelo calor que exalava do chão, isto era de praxe.
Já havia vencido a subida e pegava a esquerda entrando na rua da casa de suas amigas. Assim como ela, suas amigas viviam em república, naquele esquema sem pai nem mãe e com um lema nunca dito, mas sempre praticado - "um por todos e todos por um". Fora qualquer relação, não chegavam a ser mosqueteiros aqueles que, como elas, partilhavam deste lema. Mas podia-se contar sempre, nos momentos de apuros ou de descontração.
A esta altura já estava à frente da casa e usava como campainha bater o cadeado numa das barras do próprio portão. Desta vez foi recebida por sua amiga usando pijamas, daqueles manga-longa azul com motivos que lembravam o céu: nuvens e estrelas, sol e lua dividindo o mesmo momento. Essas recepções não eram incomuns e podiam acontecer com qualquer uma das quatro que dividiam a casa e nos mais variados modelitos.
Há algum tempo a recepcão passou a ficar por conta de um boxer branco com uma pinta circular marrom localizada no meio do dorso, pendendo um pouco à direita, era sua marca. Além, é claro, de uma personalidade que o classificaria como "adulto com alma de criança". Sempre muito espontâneo, cumprimentava a todos com o vigor de alguém com cabeça de 4 anos, mas com corpo de 17, e sobravam lambidas e marcas de pata na calça ou na blusa. Mas fazer o que, era apenas um guri desajuizado querendo um pouco de atenção.
Mas qual poderia ser a razão que a terá levado até lá? E a isto ela responderia com outra pergunta: Por que deve haver uma razão para ir à casa de boas amigas?
E tudo logo se explicaria quando lhe vinha, em um flash, as diversas ocasiões, boas e ruins, alegres ou tristes, que ali havia passado.
Claro, não era a única agregada desta república, aliás o que "fazia" os momentos era a presença de um grande e variado número de pessoas que compunham a turma. Ah, é quanto coisa fizeram juntos... Em cada detalhe, com todas as cores, vai lembrando de cafés da manhã, grupos de estudos, almoços, sessões de vídeos ou mesmo o último capítulo da novela, um episódio de "Os Normais" e depois sair para a balada; e os cafés da tarde, antes e/ou depois de um bate-papo, muitos bate-papos.
Por que teria de haver uma razão? Era exatamente o que ela se perguntava agora, sentada em frente ao computador à escrever seus pensamentos. Hoje, passados longos meses que não compartilham mais desses instantes de bate-papo ao acaso, troca de confissões, diversão, reuniões e entretenimento, ela pára um instante e se dá conta de que as razões eram, então, boas desculpas para poderem, acima de tudo, dividir a amizade. A resposta para a pergunta já era sabida por todos. O que procuravam era desfrutar o momento, seja ele qual fosse, por uma ou outra razão, o importante era vivê-lo, pois daquela maneira, com aquelas pessoas, com o sabor que só a mistura de cada um poderia proporcionar, logo se tornaria difícil que se repetisse. Cresceram juntos, para serem o que são, apenas porque, um dia, estiveram juntos. Como bons amigos.

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